domingo, 23 de maio de 2010

O HOMEM E O PARAÍSO






As duas mais excelentes obras da criação: o paraíso e o homem.


1. Deus, no princípio do mundo, criou o homem, plasmando-o com a terra, e colocou-o num paraíso de delícias, por Ele plantado no Oriente, não só para que o guardasse e cultivasse (Gênesis, 2, 15), mas também para que ele próprio fosse para o seu Deus um jardim de delícias.


Comparação entre o homem e o paraíso.


2. Na verdade, assim como o paraíso era a parte mais amena do mundo, assim o homem era a mais amada das criaturas. O paraíso foi plantado a Oriente; o homem, à imagem d’Aquele que teve origem desde o princípio, desde os dias da eternidade. No paraíso, cresceram todas as plantas belas para serem vistas, e deliciosas para serem comidas, escolhidas entre todas aquelas que estavam espa1hadas, aqui e além, por toda a terra; no homem, foram acumulados, por assim dizer, como num só monte, todos os elementos do mundo, todas as formas e todos os graus das formas, para que manifestasse toda a arte da divina sabedoria. O paraíso tinha a árvore da ciência do bem e do mal; o homem tem a mente para distinguir e a vontade para escolher o que existe de bem ou de mal. No paraíso, existia a árvore de vida; no homem, existe também a árvore da imortalidade, ou seja, a sabedoria de Deus, a qual colocou no homem raízes eternas (Eclesiástico, I, 16). Desse lugar de delícias, saía um rio, que regava o paraíso e depois se dividia em quatro ramos principais (Gênesis, 2, 10); no coração do homem, confluem vários dons do Espírito Santo, que vão irrigá-lo, e depois, do seu seio, brotam rios de água viva (S. João, 7, 38), isto é, no homem e por obra do homem, difunde-se, de vários modos, a sabedoria de Deus, como rios que se derramam em todas as direções. Isto é atestado também pelo Apóstolo, quando afirma que, por meio da Igreja, se torna manifesta aos principados e às potestades dos céus a multiforme sabedoria de Deus (Efésios, 3, 10).


3. Verdadeiramente, portanto, cada homem é para o seu Deus um paraíso de delícias, se se mantém no lugar que lhe foi marcado. De modo semelhante, também a Igreja, que é a comunidade de todos os homens consagrados a Deus, é, muitas vezes, comparada, na Sagrada Escritura, ao paraíso, ao jardim e à vinha de Deus.


Perda de ambos os paraísos




4. Mas que desventura foi a nossa! Estávamos no paraíso das delícias corporais, e perdemo-lo; e, ao mesmo tempo, perdemos o paraíso das delícias espirituais, que éramos nós mesmos. Fomos expulsos para as solidões da terra, e tornamo-nos nós próprios uma solidão e um autêntico deserto escuro e esquálido. Com efeito, fomos ingratos para com aqueles bens, dos quais, no paraíso, Deus nos havia cumulado com abundância relativamente à alma e ao corpo; merecidamente, portanto, fomos despojados de uns e de outros, e a nossa alma e o nosso corpo tornaram-se o alvo das desgraças.


Deus lamenta-se disso.


5. Acerca destes fatos, ouçamos um profeta, que fala alegoricamente a um rei de Tiro, soberbo e condenado a ser punido pela sua soberba: «Tu vivias no meio das delícias do paraíso de Deus; e o teu vestido estava ornado de toda a casta de pedras preciosas: o sárdio, o topázio, o jaspe, o crisólito, a cornelina, o berilo, a safira, o carbúnculo, a esmeralda, juntamente com objetos de ouro. Tímpanos e gaitas de foles foram preparados, no dia em que foste feito rei, para tocarem em tua honra. Tu eras um querubim e por isso te ungi como protetor (senhor das outras criaturas); por isso te fiz chefe; vivias no monte santo de Deus e caminhavas no meio de pedras preciosas incessantemente flamejantes. Andando pelos teus caminhos, eras perfeito desde o dia da tua assunção ao reino, até que foi encontrada em ti a iniquidade! Na multidão das tuas traficâncias, as tuas vísceras encheram-se de iniquidade e cometeste pecados. Por isso te expulsei do monte de Deus, te entreguei à ruína, etc. Quando o teu coração se encheu de soberba com a tua magnificência, tu perdeste a sabedoria, e eu lancei-te por terra, etc.» (Ezequiel, 28, 12 e ss.). Num momento da sua justa indignação, lançou-nos por terra e expulsounos, e assim, embora fôssemos como um jardim do Éden, doravante tornamo-nos como uma solidão do deserto.


Reconquista do nosso paraíso por meio da graça de Deus.


6. Seja glorificado e louvado e honrado e bendito para sempre o nosso misericordioso Deus que, embora nos tenha abandonado por um certo tempo, todavia, não nos deixou na solidão eternamente; pelo contrário, manifestando a sua sabedoria, mediante a qual delineou o céu e a terra e todas as outras coisas, com a sua misericórdia fortificou, de novo, o seu abandonado paraíso, ou seja, o gênero humano; e assim, com o machado e a serra e a foice da sua lei, cortadas pelo pé e podadas as árvores meio mortas e secas do nosso coração, aí plantou novos rebentos escolhidos no paraíso celeste; e para que estes pudessem pegar e crescer, irrigou-os com o seu próprio sangue, e nunca mais deixou de os regar com vários dons do seu Espírito Santo, que são como que arroios de água viva; e mandou também os seus operários, jardineiros espirituais, a tratar com cuidado fiel a nova plantação de Deus. Efetivamente, assim fala Deus a Isaías e, na pessoa dele, a outros: «Pus as minhas palavras na tua boca e protegi-te com a sombra da minha mão, para que plantes os céus e fundes a terra e digas a Sião: o meu povo és tu» (Isaías, 51, 16).

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